quarta-feira, 23 de julho de 2008

Nomenclatura

-“Sim, eu concordo totalmente… não se fazem mais desses…” Ele sorriu, trocando o peso de uma perna para a outra.

-“Então, já estamos conversando há um tempinho, mas creio que ainda não perguntei... como é seu nome?” Ela enrolou as mãos enquanto falava.

Ele ficou com as costas rígidas. -“Eu... acho que talvez é melhor não perguntar”.

Ela pareceu confusa. –“... Por que não?”.

“-Bem, a verdade é que meu nome é um pouco... diferente...”

Ela assentiu, esperando.

Ele suspirou. Não havia arriscado contar essa história muitas vezes, normalmente dando apenas um apelido. Mas algo ali o fez respirar fundo e ir em frente.

“-Bem, o fato é que meus pais eram hippies... viviam das velas aromáticas que fabricavam... até que um dia, decidiram viajar para a Polônia, numa busca espiritual...”

Sem encarar o olhar pasmo que ela exibia, ele prosseguiu.

“-Bom, o fato é que meu pai exibia uma barba meio comprida... moda da época... e eles toparam com uns Neo-nazistas que se convenceram que eles eram judeus pregando sua religião através de artesanato...”

Ela continuou muda.

“-Então, um dia, enquanto fugiam de uma perseguição remando em um barril de vinho que eles mesmos esvaziaram, toparam com um outro casal, também hippie, que sofria um problema semelhante... eles eram confundidos com vendedores de tapetes persas....”

Nesse ponto, ele arriscou uma olhada pro lado dela e viu todos os sintomas típicos de quem escutava essa história: descrença, surpresa, estupor; estranhamente aumentados. Nunca tinha visto alguém ficar tão pasmo com a história. Ele se forçou a continuar.

“-Então, os quatro decidiram fundar uma comunidade por ali, e começaram a ensinar mantras em holandês e posições de ioga para os moradores das vilas vizinhas... o nome da comunidade era Arco-Íris da Libertação.”

Silêncio.

“Aí um dia, pouco depois da minha mãe ficar grávida, eles foram perseguidos, dessa vez por um grupo teatral, que ficou com medo da concorrência... então os dois casais se separaram, trocando colares de concha de caracol para que se reconhecessem mais tarde... mas pelo que sei, eles nunca mais se encontraram...”

Ele tirou os olhos do chão.

Ela piscou. Limpou a garganta, e perguntou, com uma voz fraca: “-Mas... e qual é o seu nome?”

“-Caracol Moisés Arco-íris.” Respondeu ele, resoluto.

Silêncio.

Ele chutou uma pedrinha no chão. “-Mas... e o seu?”

“-Caracol Pérsia da libertação.” Respondeu ela, os olhos enormes.

Silêncio.

Os convites de casamento tiveram que ser escritos à mão, já que nenhuma gráfica levou o trabalho a sério.